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Sobre o que sugere o trabalho dos "Muros", por Pio Figueiroa

Sobre o que sugere o trabalho dos “Muros” por Pio Figueiroa

O melhor lugar em relação a uma obra é aquele da contemplação. Fico pensando se até aqui aprendi, ao certo, o que é produzir, pois ver, pensar e sentir um trabalho é, de fato, o melhor posto de onde a arte se apresenta, e sem aquela confusão comum às pretensões autorais. A fruição quando estou defronte e atento a uma proposta artística é de uma hora sublime que me desespera em pretender ser intérprete de seus códigos e perceber os diálogos que emanam por causa dessa aproximação. É nessa condição que um trabalho de arte aparece como gesto, como portal histórico, político, espaço que me convida a preenchê-lo de sentidos e, para isso, preciso criar o que devoto. Todo gesto, por mais simples e universal que seja, como sacudir das mãos em uma despedida, ou puxar o ar chamando uma pessoa, condensa uma história. A história da arte, por exemplo, muito foi inscrita pelo gesto de pinceladas. Aliás, trouxeram a arte até o ponto da síntese da fruição de gestos. O ready-made, o action painting, ou mesmo, o convívio com o coyote,(i like america and america likes me), de Beuys, são exemplos dos momentos nos quais o gesto se materializou em protagonismo frente aos outros sentidos eriçados por estas citadas obras – “não obras de arte, mas obras de tempo”. O gesto expressa em uma atualidade aquilo mesmo que responde há tempos, o corpo apresentando abstrações que cortam o espaço com os índices de uma comunicação. Uma espécie de gramática física que é, bem verdade, um legado cultural que se mostra como parte de nossa natureza. Alan resolveu pular os muros de sua vizinhança para tentar livrar uma imagem possível, habitante do além dessas barreiras construídas pelas propriedades. Os muros que ele salta esconde o que deveria ser visto e o seu gesto artístico passa por constituir histórias que os espaços cercados confinam em seus campos suprimidos de visão. O muro combatido pelo gesto de pulá-lo e sacar dali vistas encobertas. A restrição sobre ter, assim como o ter em excesso, é um problema ético fundamental da história humana. O capitalismo mesmo se constitui pela posse. Nós nos tornamos agrimensores pervertidos ao ponto de termos quase como condição de existência, a necessidade de sermos proprietários. Ser é ter. E os nossos muros são símbolos de afirmação social. Mas como criança ou artista, Alan os transpõe segurando uma máquina fotográfica e resgata por detrás uma vista qualquer, embaralhando o que se pode ter com o que se deve ser. E ele se esforça pela vista. Se é cultural o direito a ter, sua ideia permite uma breve restituição ao direito supremo de ver. E ver corresponde à curiosidade elementar que pauta todo nossa racionalidade: ver nos faz seres viventes, ávidos por expansões, descobertas e amplitudes. O gesto de ver, nesse sentido mais poético do que fisiológico, é o que termina por nos definir. A arte funciona assim, para além da posse. Vejo obras mesmo sem poder comprá-las e elas me transportam ao me portar defronte. Ali onde o tempo ganha do espaço, o que vale é aquilo que me carrega, as temporalidades que fluem de um gesto artístico e me deslocam por possibilidades confusas, eternas, rearranjadas da ordem comum. Como disse o professor e artista Luis Camnitzer, “me gusta pensar que cuando se inventó el arte como la cosa que hoy aceptamos que es, no fue como un medio de producción sino como una forma de expandir el conocimiento. Me imagino que sucedió por accidente, que alguien formalizó una experiencia fenomenal que no encajaba en ninguna categoría conocida, y que eligieron la palabra “arte” para darle un nombre”. A proibição sobre ver é a matéria crítica para o projeto artístico de Alan. Talvez seu trabalho se afirme antes pela escola da performance do que pela disciplina da paisagem. Recordo de todas as vezes que pulei muros; quando me equilibrei por circuitos vizinhos; na época em que era ainda um mobiliário lúdico que me ajudava a ser criança. Lembro também quando quis, agora adulto, ter uma casa, e bem delimitada de quem chamo por vizinho. As fotos de Alan me lembram disto tudo e ao mesmo tempo. Suas imagens, residentes em uma superfície fotográfica, têm mais conexões e diálogos com o mundo, com outras intenções, do que a própria história dos lugares fotografados. A mediação desta linguagem estabelece um espaço poético e me provoca a falar de coisas a partir dali. O gesto de uma fotografia é uma interrupção brutal de tempo que lhe represa para ser reativo. O gesto de Alan parte de um salto para uma história potente e liberta do muro o que pode ser ainda mais livre: a vista de um espaço qualquer, preso e particular.



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Texto publicado no BLOG da Residência em Fotografia LABMIS.





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